sábado, 13 de abril de 2024

Deslocado

Não era o horário do trabalhador comum para aquela refeição. Passava das 9. Para ser mais preciso, já era quase 10.
A antiga fábrica de cerveja, transformada em um espaço para que moradores de áreas longínquas, encerrados em seus muros particulares, deslocassem pela cidade, com vistas à valorização imobiliária.
Gente que paga caro em um pão de queijo frio, que custa muito menos no posto a poucos metros de distância, onde, é servido quente.
Retratos de sorrisos falsos aos montes, que serão manipulados em aplicativos, para que possam ser exibidos pelos manipulados algoritmos. A falsa vida feliz de quem não faz ideia da vida de quem os serve.
Quem serve finge uma alegria que de tão verossímil, deixa transparecer a falsidade. O falso brilhante de que tanto falam.
“Um espaço de integração”, que visa integrar a mesma patota que se encontra em tantos outros espaços similares.
Ali sentado, sozinho por um momento, pensei em explodir, como um artefato terrorista, simplesmente explodir, para ver se alguma realidade seria estampada nos rostos recheados de botox.
Talvez eu não me sentisse tão deslocado.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Ela disse adeus

Eu sou uma pessoa triste,
sempre fui triste,
até quando me lembro alegre,
vem à mente um motivo para me arrepender do sorriso.

E mesmo sendo triste,
disfarço-me como a um palhaço,
que desenha a lágrima no rosto,
para fingir uma tristeza natural.

Mas a tristeza parece ganhar mais força nos dias recentes.
Sozinho em casa,
imagino o que está por vir.

Embora eu saiba da necessidade da solidão,
as vozes ficam mais altas quando estou só.
Eu busco silencia-las,
mas elas gritam amordaçadas,
como reféns que veem a porta abrindo
e esperneiam tentando serem ouvidos.

Elas gritam.

E no grito silencioso não consigo conter as lágrimas.

E se...

E esse todo "se" toma conta de mim
e me tira o sono
(ou seria a dor?).

E se?

Eu sei que já não é mais como antes.
E sei que sou culpado por isso.

O eu te amo fica perdido em reticências,
em silêncios,
em ecos no quarto vazio.

E se?

O eu te amo fica só, perdido num parêntese constrangedor,
num sem fôlego de prazer,
numa vírgula fora de lugar.

E se?

Eu devo dizer?
Eu devo silenciar?

E se?

Gradualmente, mesmo lutando,
eu vou dia a dia me preparando para o final do se.

Como eu disse, eu sou triste,
a tristeza é meu padrão,
talvez seja o destino.

E se?

Eu tento não pensar.
Eu tento não pensar.
Eu tento.
Eu penso.
O tempo todo.
A cada minuto a mais.
A cada meia hora a mais.
A cada reticência duplicada.

E se?

Eu sei que tudo foi culpa minha
e mesmo admitindo,
eu não consigo aceitar por inteiro.
E não consigo entender o motivo de não aceitar
se o motivo eu sei quem fui.

E se?

Hoje eu me sinto como não deveria ter feito sentir.
Hoje eu me pergunto o que não deveria ter feito perguntar.
Hoje eu me arrependo do que não deveria ter feito arrepender.
E hoje eu sei o que não sabia.
Hoje eu sei.

Ficam ressoando na minha culpa
os versos de sucesso que dizem
que ela não precisa mais de mim.

E sinto,
e sei,
que fui,
e serei,
o último a saber.

04 de janeiro de 2024

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Eu poderia

E eu poderia fazer tudo aquilo que,
em segredo,
eu digo que não faço por falta de tempo.
Eu poderia calçar meu calçado novo,
vestir meu shorts e uma camiseta velha qualquer
e caminhar por aí, ouvindo música no talo,
como se fosse somente eu e ninguém mais.

Eu poderia fazer tudo aquilo que,
em segredo,
eu digo que não faço por falta de tempo.
Eu poderia assistir todas as séries e filmes
da minha lista interminável,
esparramado, de cuecas, no sofá novo,
cochilando em intervalos intermitentes.

Eu poderia fazer tudo aquilo que,
em segredo,
eu digo que não faço por falta de tempo.
Eu poderia ir para o bar com os amigos,
em um happy hour há anos programado,
e brindar como se fosse ontem,
como se não houvesse amanhã.

Eu poderia fazer tudo aquilo que,
em segredo,
eu digo que não faço por falta de tempo.
Mas eu fico aqui, escrevendo versos sem importância,
tentando encontrar justificativas para não fazer o que poderia,
buscando não confessar que a saudade me paralisa.

E não se passou nem um dia que elas não estão aqui.

02 de janeiro de 2024

domingo, 13 de agosto de 2023

Quatro anos

Há quatro anos que meu coração já não bate em mim,
corre em outras veias, pequenas quilometragem a se expandir,
vias de evolução para além do que jamais serei.

Há quatro anos que me confundo em sorrisos e palavras erradas,
corrigidas com certo desprazer, dado a fofura com que são pronunciadas,
pela boca que meus olhos não se cansam de admirar.

Há quatro anos que nada mais penso em fazer que não a dois,
de mãos dadas, de colo dado, mesmo que a dor seja presente,
não há dor que supere o amor do abraço sentido.

Há quatro anos que não sei mais ser além do que passei a ser,
em razão da pessoa que se figurou nos meus braços tão cedo,
e que tão frágil abracei com tanto amor.

Há quatro anos que ela, Cecília, me deu o cargo que,
pelo quanto passa o tempo e vejo o que fui,
preparei-me a vida toda para ser, seu pai.

13 de agosto de 2023

Não tenho tempo para não ser pai

Eu não tenho tempo para não ser pai.
O tempo todo estou correndo atrás.
Ela é o que me faz ser o que sou,
hoje não sou nada mais,
hoje sou apenas pai.

Eu não tenho tempo para não ser pai,
ela acorda cedo e me lembra que já é dia,
é hora de levantar,
não importa o dia,
é hora de seguir, de ser pai.
Eu não tenho tempo para não ser pai.

E é como se eu tivesse nascido para isso,
ser o pai dela.
Ser o pai dela e nada mais.
Eu não tenho tempo para não ser pai.

Eu corro atrás do tempo,
o tempo me deixa pra trás,
mas o tempo todo sou eu, tentanto, lutando,
porque eu não tenho tempo para não ser pai.

E eu sou.

Sou pai com todo meu ser.
Sou pai com toda a dor.
E não importa a dor,
eu não tenho tempo para reclamar,
eu não tenho tempo para chorar,
não tenho tempo para descansar,
ela está aqui,
o sofrimento também é meu,
a culpa é minha,
eu não tenho tempo para não ser pai.

E todo dia que ela me sorri
é o dia em que sou pai.
E todo dia que ela pede colo,
é o dia em que sou pai.
E todo dia que ela chora,
é o dia que eu sou pai.
E todo dia que ela faz birra, esperneia,
é o dia que eu sou pai.
E todo dia que ela me diz te amo,
eu só consigo chorar por dentro,
tentando entender tanto amor,
porque esse é o dia que eu não tenho tempo,
esse é o dia em que eu não penso no tempo,
esse é o dia que eu quero que o tempo pare
e que eu possa eternizar cada momento,
porque eu não quero ter tempo para não ser o pai dela.

E todo dia eu sou.

O dia dos pais eu deixo pros ausentes,
pros pais de fim de semana,
pros pais de passagem.

Eu não.

Eu quero continuar sendo o pai de todo dia.
Eu quero continuar sendo o pai do tempo todo.
Eu quero continuar sem ter tempo de não ser pai,
porque hoje eu não sou mais nada,
hoje, além de tudo, eu sou pai.

13 de agosto de 2023

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Eu não quero brigar

No fundo eu sou um ser solitário. Tive muitos amigos, dos quais me lembro, um a um, quase que diariamente, e que por um descuido meu, um bolso furado, talvez, fui deixando pelo caminho e hoje caminho só. A tristeza talvez seja a companheira constante. No fundo eu sou um ser triste. Tenho alegrias aqui e acolá, a maior tem nome, sobrenome, e uns sessenta centímetros de altura. Meus olhos marejam só de pensar no amor que nutro por esse pequeno ser, razão do meu despertar diário. Mas, no fundo, eu sou um ser triste. Fui me deixando levar e fui levando. Eu não quero mais brigar, eu nunca quis brigar. E cada dia que passa vou notando que já não me restam forças pra lutar. 05 de dezembro de 2020

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Eles morreram

Eles morreram. Eu não. Eis os seus corpos estirados no chão, cravados de balas, o sangue escorrendo nas valas. Eles se foram. Eu não.

Eles morreram. Eu não. Os mesmos pecados. Os mesmos vizinhos. Os mesmos horários. Eles se foram. Eu não.

Eles morreram. Eles não faziam nada. Eles apenas aproveitavam. Eles apenas estavam. Eles morreram. Eu não.

Eles morreram. Eu não. Eles eram inocentes. Eles não negaram leis. Eles as seguiam. Eles sorriam. Eles viviam suas vidas miseráveis. Eu não.

Eu quis transcender. Eu quis ser mais do que me permitiam ser, de onde nasci. Eu queria superar as expectativas. Lucrar, ser alguém aos olhos deles de lá. E eu fui. Mas eu não morri.

Morreram eles. Inocentes. Que não ousaram negar o que eu ordenava. E não podiam negar o que mandavam. Eles morreram. Eu não.

Eu continuo pagando a proteção, que sigo dizendo divina, a quem deveria proteger eles de mim. E estes recebem de bom grado a boquinha gorda que das minhas mãos sujas saem.

Eles morreram e morrerão.

Eu continuarei vivo nas páginas de procurados. Até que alguém pague mais alto abono que eu.

Eis o tempo de vida que me resta.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Desculpas

A minha vida tem sido, basicamente, pedir desculpas.

Desculpas por ter decepcionado os que esperavam tanto de mim.

Desculpas por não corresponder ao que queriam.

Desculpas por não ser capaz de atender ao que me pediam.

E, desde que me conheço por gente, venho me enchendo dessas pequenas decepções por ser decepcionante.

"Você é muito bonzinho, quer agradar todo mundo", disse, certa vez, um alguém que já não tenho na minha vida (muitos deixei de ter).

Talvez eu seja muito bonzinho.

Talvez eu tenha atendido demais aos pedidos alheios e nunca aos meus.

Veem-me como o resolvedor de tudo. O sabe-tudo, o precisa-entender-de-tudo-para-explicar. Eu fui me tornando isso por querer sempre ser o que esperavam que eu fosse. Por querer sempre ajudar no que precisassem. Por querer sempre entender mais do que eu realmente necessitava para viver.


Quanto trabalho já fiz e não tenho um puto de dinheiro no bolso?
Quanto eu já trabalhei e não consegui poupar, acostumado a migalhas?
Quanto do que eu quero eles sabem que eu é o que eu quero?
Quando eu conseguirei ter voz?
Quando eu conseguirei ser eu?

Só quando eu decepciono.

Só quando não eu não correspondo.

Só quando eu não atendo.

E depois eu sempre acabo pedindo desculpas.

Perdoem-me por esse desabafo sem hora.

06 de julho de 2019

quinta-feira, 4 de julho de 2019

VAR

Quarenta e seis do segundo tempo. Jogo empatado. O Jaculejo classificando. A torcida ensaiando uma comemoração. Sacuri pressionando. Unhas são destruídas sem dó, sem pensar.

Quarenta e seis e trinta, 30 segundos pro fim, bola na área, cabeçada, trave, a zaga tenta tirar, bate e rebate, Paulão chuta... Gol!

Explosão de alegria de um lado. A torcida do Sacuri grita, vibra, comemora, o time classificado com o gol marcado. Os acréscimos já vencidos. O juiz vai colocar a bola no centro do campo e apitar o fim. A glória. Do outro lado, a tristeza, o lamento de quem estava com a classificação nas mãos e a deixa cair. Mas do lado Sacurizal é só alegria... A aleg... Uma ale... Uma alegria que precisa se segurar. O árbitro leva a mão ao ouvido. Os jogadores do Jaculejo os cercam. Os atletas do Sacuri percebem a movimentação estranha. Tensão! O apitador faz um quadro com as mãos. Vai verificar na TV. O VAR entra em ação.

Tensão! Um silêncio cortante toma conta do estádio. As arquibancadas buscam o telão, que não mostra nada. O tempo para. Não passa. Corre veloz. O juizão leva o seu tempo. A relatividade. A eternidade. O estalar de dedos. O árbitro volta o corpo para o campo, pisa dentro das quatro linhas sagradas e aponta, falta antes da conclusão do lance, toque na mão do atacante, gol anulado.

A torcida do Jaculejo vibra, explosão de alegria, felicidade e sorrisos soltos. Do lado oposto, a cabisbaixice de quem era todo sorriso. A tristeza no olhar ainda molhado das lágrimas da classificação que se esvaiu. Duas torcidas, um lance, duas comemorações distintas, um único gol.

O futebol em plena justiça.

terça-feira, 4 de junho de 2019

Zeca Beludo

Nasceu José Carlos Beludo.
Zeca, logo cedo, teve problemas de calvície.
E era o Zeca Beludo careca.

03 de junho de 2019

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Trinidad Scorpion Moruga

Queima a boca
e desce queimando,
o estômago ferve,
e vai ter
que sair.

Queima!

Queima a boca,
e vai queimando a alma,
o além
e tudo o mais.

E a gente chora,
e a gente chora,
o nariz escorre,
e tudo queima,
e aquece,
e alegra.

É um carnaval pequeno
que queima dentro
da gente
e queima
e a gente chora.

Dá vontade de mais,
porque a brasa apaga,
com a brisa primeira
que leva
e leve e sopra
e queima.

E é tão gostoso
e tão dolorido
que a gente quer mais
e a gente come mais
e queima mais
e desce queimando,
a boca,
o corpo,
calor,
o cu.

E queima.
Queima
e é tão bom.
Que a gente quer mais
e mais.

E come mais.
E mais.
E já nem liga,
porque queima e é bom,
muito bom.

29 de maio de 2019

segunda-feira, 8 de abril de 2019

O inferno sou eu

Sem se notar, ela volta.
E vem carregada dessa noção de que,
apesar dos pequenos morros,
a cartografia da sua existência
é uma grande planície,
com altitude abaixo do nível do mar.

Aquela sensação de que você não fez mais
que apenas decepcionar os que esperavam de ti
algo superior, mas que, no fundo,
você sabe que não seria capaz de entregar.

E martelam na sua cabeça
a capacidade além do comum
que você deveria ter,
porque acham que você tem.

E te massacram com expectativas
e querem mais
e mais
e dizem que você pode mais,
mesmo que saiba que não.

Então dá essa vontade de não mais existir,
por pensar que sem você
eles podem ser melhores pessoas.

06 de abril de 2019

quinta-feira, 21 de março de 2019

Aquele sorriso

Você me parece uma pessoa triste, ela disse.

Fosse em outros tempos, eu diria que ela me entendia como nenhuma outra pessoa. Mas nos dias que seguiam tristeza era visível nos meus olhos. No meu sorriso nulo.

Sorri, sem graça, tentando não expor toda a dor que carregava.
Ela retribuiu com um sorriso nervoso.

Havia mais do que pude decifrar naquele sorriso. Os olhos seguiam os traços da boca, os dentes ligeiramente a mostra. Meu coração acelerou por um raro instante. O que seria aquilo?

Despediu-se em um singelo gesto e se perdeu em meio a multidão, deixando-me aflito com a imagem de seu sorriso sereno e enigmático.

Tarde da noite, naquele mesmo dia, na cama, eu pensava em seus olhos, em sua boca, aquele sorriso que fez um buraco em meio peito, abrindo o vazio nele escancarado.

Antes de pegar no sono, cansado, sorri o sorriso mais verdadeiro dos últimos tempos. Eu decifrara o que o seu sorriso me dizia. Era esperança. A esperança que eu havia, em algum momento, perdido.


05 de fevereiro de 2019

segunda-feira, 18 de março de 2019

Vem do nada

Mas do nada vem esse aperto no peito,
essa angústia,
essa dúvida de não saber se tudo está bem,
essa certeza de saber que nada é perfeito.

E do nada vem essa vontade de não ser,
uma dor de não querer,
lágrimas fluem como um rio,
e não sei que o fazer.

Que é que será de nós?
Que é que será de tudo?
De onde vem essa voz?
Por que eu me sinto mudo?

Mas do nada vem essa angústia,
esse aperto,
essa dúvida,
essa dor,
essa vontade de não ter vontade nenhuma.
E do nada ela volta a vir,
e assim, do nada,
ela passa a ser o tudo.

Todo dia é a repetição
dos medos que eu achei
que nunca fosse ter.
Medo de nunca ser.
Medo de não poder.
Medo de me perder
mais do que já estou perdido.

04 de fevereiro de 2019

quinta-feira, 14 de março de 2019

Olha o passarinho

Não, eu não tenho mais vontade
e disposição para sorrir para fotos.
Nunca tive, na verdade.

Fotos são momentos,
falsas realidades eternizadas.
Ninguém sorri para sempre.
Ninguém é feliz o tempo todo.
Ninguém é feliz de fato.

As fotos nos mentem,
mostram uma realidade paralela
retirada da realidade real dos fatos.

Ninguém é verdadeiro para fotos.
Quando se é, a foto é queimada,
rasgada, excluída, apagada.
"Não ficou boa, vamos outra!".
E tira-se fotos e fotos,
até que uma seja fiel o bastante
a irrealidade que queremos passar.

Eu não tenho mais vontade e paciência para fotos.
Assim como não tenho para quase todo o resto
Nenhum sorriso é eterno.
Só a dor de não poder viver
a vida que se quer pra si.

02 de fevereiro de 2019

segunda-feira, 11 de março de 2019

Quanto

Quanto de mim já é morte?
Quanto é vontade de matar?
As dores que sinto
são, acaso, uma prévia
da dor final próxima?
Quando virá?
Esse choro no travesseiro molhado
é prova inconteste da infelicidade,
da inutilidade de toda uma vida
vivida para o fim e só?
Quanto ainda resta de vida
nesse corpo inútil,
cujo joelho não me permite
atravessar o menor dos buracos
num simples pulo?
Quanto ainda resta de vida?
Quanto de vontade de viver?

E eu que tinha tantos planos.

Quando foi que os perdi?

01 de fevereiro de 2019

quinta-feira, 7 de março de 2019

Culpa

Esse rancor que eu carrego da vida,
e que batizo com nomes que conheci
(que conheço),
é raiva da minha culpa exclusiva,
por tudo de errado que fiz e vivi.

Eu errei.

Errei ao confiar demais.
Errei ao não voltar atrás.
Errei ao não me impor.

E essas feridas no corpo
são marcas do arrependimento vão.
Não adianta mais se arrepender,
o tempo passou,
a oportunidade passou.
Erro efetivado é erro perpetuado.
O que começou errado, errado ficará.

Esse rancor que carrego da vida
e que batizo com nomes que conheci
deveria ter um único nome,
o meu.

Tudo que fiz até aqui
é minha culpa,
única e exclusiva.
Só minha.

01 de fevereiro de 2019

segunda-feira, 4 de março de 2019

Nunca serei

Dia e noite me dizem para acreditar,
que é só crer que tudo vai se concretizar,
isso é difícil para mim,
porque eu nem mesmo sei rezar.

Eu não sou um crente,
e você sabe porquê.
Você é um crente
e eu não sou.

Os dias passam e duvidam do meu amor,
então eu busco ser mais forte do que sou,
e ser mais do que posso ser,
mas é difícil ser quem não se é,
e eu não sou o que querem que eu seja,
eu não sou forte o bastante,
eu não sei me manter na frente
como querem que eu me mantenha.

Eu não consigo acreditar,
vocês não podem duvidar.
Eu nunca vou acreditar,
vocês nunca hão de duvidar.

Vocês sempre serão os crentes,
eu não.

Eu sempre serei a notícia triste,
a dúvida,
o questionamento,
o talvez.

Eu serei o que nunca será.
Eu nunca serei.

29 de janeiro de 2019

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Prenderam o Oliveira

No escritório:

- Cláudio, você viu que prenderam o Oliveira?

- O Oliveira, o Paulo Oliveira?

- Ele mesmo. Acabei de ouvir no rádio. Encontraram dezenas de gigabytes de pornografia infantil no notebook, em HDs e DVDs na casa dele. Coisa até que ele estava editando.

- Puta que pariu!

- Pois é, o cara bebe nosso café, senta aqui com a gente. Quinze anos cuidando das empresas dele, eu fiz até a ação de guarda dos filhos, e o safado é um pedófilo filho da puta.

- Caralho. E a gente ainda tem cheques dele para depositar. Vou mandar incinerar tudo. Sumir com as relações do escritório com ele.

- Pode sumir com os documentos, mas os cheques você deposita nas datas corretas.

- Mas a gente vai receber dinheiro desse tipo? Vai ver o cara até lucrava com pornografia infantil.

- Não, os cheques você deposita nas datas certas. Eu sou bem conservador nos costumes, mas na economia eu sou liberal.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Ela queria terminar, mas estamos só começando

Foi num dia como outro qualquer (alguns diriam nem tanto, afinal, era véspera de meu aniversário. Mas eu aprendi a não ligar tanto assim para aniversários. Tento lidar bem com todos os dias que passam e nos quais acordo para encará-los). Ela me pediu para sentar no banco do passageiro, meu local habitual, que precisava conversar. Isso sempre foi algo pesado para mim, acostumado a fazer besteiras na vida. Quando querem olhar nos meus olhos e conversar é porque querem jogar na minha cara alguma grande besteira que eu, voluntariamente, fiz. Mas não foi o que aconteceu dessa vez.

- Eu tô tentando, não sei se você percebeu… mas eu tô tentando terminar com você já faz uns dias.

Meu sorriso era de “carai, mas eu não fiz nada”, e passou para um “puta que pariu, mas o que foi que eu fiz?”. Incrédulo, mas tentando manter o domínio da situação (como sempre tento). Um riso nervoso, mantendo meu silêncio de inércia.

- Eu não sei o que tá acontecendo comigo (… algumas coisas que a minha memória não me permite recordar em detalhes)… eu tô grávida.

A sensação do “puta que pariu, mas o que foi que eu fiz?” imediatamente passou para um “PUTA QUE PARIU, O QUE QUE EU FIZ?!!!”, ainda tentando manter a paz e um certo equilíbrio na fala e no olhar. A vontade já era de chorar. Então ela me mostrou o exame, desses mesmo de farmácia. Uma cruz, em azul. Para os cristãos (não me incluo), a cruz é um sinal de dor, de morte (embora afirmem que crucifixos não eram comumente utilizados à época de Jesus para pendurar os condenados à morte. Uma única haste de madeira bastava.). Para mim aquela cruz era sinal de renascimento. De retomada de vontade de viver.

Ela, que me conhece como ninguém, sabe que a morte é uma ideia que circunda meus textos, meus momentos depressivos, meus dias solitários. Foi assim no reveillon passado, foi assim em vários momentos em que, bêbado, eu me vi cercado com meus próprios pensamentos, meus demônios internos. Eu sabia que, em algum momento, contrariando a minha natureza de tentar fazer todos os que me cercam felizes com minhas decisões, eu tomaria a decisão “errada” e daria cabo de minha vida. Ela sofria com essa quase certeza (que eu sei que ela tinha, ainda que nunca tenha me confessado).

Naquele momento, a cruz me fez querer chorar. Eu já havia externado a ideia de não querer ter filhos (embora sempre fosse pela ideia de tê-los aos vários). Mas o mundo muda, a gente muda, e o mundo não pede mais filhos, o mundo tal qual como o vejo não merece mais herdeiros da sua infinita dor. No entanto, saber da possibilidade (eu que me imaginava ligeiramente incapaz de ter filhos), mesmo diante de tantos senões (ela, diziam, teria que fazer tratamento quando quisesse ser mãe), saber que seria uma realidade, que estava ali, acontecendo, diante de meus olhos, nada pude fazer além de abraçá-la com minha alma e com toda sinceridade do mundo, mesmo sabendo-me totalmente incapaz, no momento, para criar qualquer humano que fosse (eu incluído), prometi que daria tudo certo, que faríamos acontecer, e é o que farei.

Aquela cruz me fez acreditar novamente na vida, fez-me querer ser novamente. E serei. Serei pai. Serei marido. Serei exemplo. Serei professor. Serei o que meu pai me foi e além. Meus olhos marejam de lágrimas só de pensar no que ainda nem me é, mas será. E serei. Porém, mesmo sabendo que serei, dói-me.

Dói-me saber que pelos próximos nove meses ela passará por todo tipo de mudanças drásticas no corpo, na vida, no dia-a-dia e eu continuarei a ser como sou, sem nenhuma consequência. Maldita evolução (ou deus, se preferirem).

Dói-me saber das diversas restrições que ela terá pelos próximos nove meses, enquanto eu poderei gozar de todo tipo de benesses, basta que eu tenha oportunidade e queira.

Dói-me saber que ela não poderá dormir como quiser, rir do que quiser, ser como quiser, porque será como a gravidez exigir que ela seja.

Dói-me não estar na pele dela, para saber, exatamente, qual a sua dor, qual o seu desejo, como fazer para que as coisas sejam como ela quer.

Dói-me saber que o corpo dela, para a sociedade, não mais pertence a ela.

Dói-me saber que ela vai sofrer toda a dor de nove meses de gestação, e eu estarei apenas vivendo a vida, mesmo que correndo contra o tempo, com o corpo apenas moldado pelo tanto que como ou deixo de comer.

Dói-me saber que, apesar de eu ser todo ela, eu não sou ela e não serei pelos meses que seguirão.

Dói-me saber que fizemos juntos o que só ela carregará até que possamos juntos abraçar.

Dói-me saber que, embora eu possa postar, para pagar de meigo nas redes sociais “estamos grávidos”, só ela realmente estará, só ela realmente sofrerá, só ela carregará o fardo de, logo logo, sermos pais.

Maldita evolução, malditos deuses, que fizeram exclusividade da mulher o dom (e o fardo) de ser mãe.

E eu a invejo tanto por isso.

E a amo tanto mais que nunca saberei dizer.


16 de fevereiro de 2019